26.6.07

Raízes e asas

A menina frágil sorri
Um sorriso que atravessa
a moldura do porta-retrato, de orelha a orelha
E alcança o sol, o céu, as estrelas
num clichê sem culpas.
Mal sente os pés
Menina dos pés apertados nas meias brancas
Sandálias negras de saltos finos
Sandalinhas de furar o chão
como ponta de facão no sangue da terra
(lembrança de avós vividos na roça quente dos buritis)
A menina do retrato sorri para a mulher
que olha foto e chora, agora.
Chora a inocência perdida das crianças
que vão embora de dentro da gente
quando a mente
mente
E o coração fica batendo sem porquê.

Sobre a Timidez


Ironia do destino. Nada por acaso. Filosofia à beça. Mas, cá entre nós, tem coisas que só acontecem com gente tímida.
Rola aquela coisa de não saber o que dizer em certas horas. O fato é que fico muito mais tímida com pessoas apaixonantes que com o resto da humanidade. E daí, aquelas coisas que só acontecem com gente tímida, aparecem, sorrateiras, entre um silêncio e uma despedida assim, do nada, sem nem um beijo, pra não dar na cara que estou afim. Porque dar as costas é não mostrar, nos olhos, que em certas horas eu me sinto mais nua que a modelo na aula de desenho. Como se não bastassem os risos no espelho ao retocar o blush. Ah, se ele os visse... Eu perderia assim toda a minha inútil credibilidade, toda a minha credencial de tímida de plantão. Vagaria pelas horas impróprias da felicidade ridícula das pessoas que se permitem rir bem alto de si mesmas. Daí eu rio de mim mesma, bem baixinho, a pensar depois em como deve ter sido horas antes, minha expressão de seriedade e graça, esquecida de que neste estado, o que eu menos precisava era de um blush.
Sim, tímidos são pessoas sérias e engraçadas ao mesmo tempo. Só eles conseguem tal proeza, e porque não dizer, uma sensualidade estabanada. Desligados por natureza (ou talvez ligados demais) perdem a hora do cinema imaginando o que vão falar na próxima frase. Mas quem se importa com isso? Talvez outro tímido chamado Mário Quintana. Este mesmo que ataca se aproveitando da situação e evoca poesia ao silêncio dos tímidos, entre os guardanapos: “teus silêncios são pausas musicais”.
Se isso for verdade, meu silêncio certamente não estava tocando o hino do Flamengo na mesa do jantar.

Um Bésame Mucho, talvez.

Mas não conta pra ninguém.