20.6.13

Dualidades


Cidade-sol dentro de mim
Fresta de luz, meu alento, 
que eu não me engane com as sombras do caminho. 
Brasília é espelho
País, estado, cidade, esquina, corpo, alma, chão
Folha e pena, plena, plana, palma em vão
Brasília não tem mar
Brasília não tem mar
Mas é tão espelho na mão de Vênus
que chega dói de ver um rosto
e enxergo o oposto
dessas formas de amar.

13.6.13

Apontamentos

Hoje me cansei de apontar meus lápis
e apontei um poema com estilete.
Tão fino, ele correu mais o risco
que um pensamento em zero-cinco
sobre a minha pele trinta e dois
quase trinta e três, disse - e vivi:
Quando cansei da incompreensão
foi que eu quis compreender. 
Quando cansei de compreender
foi que eu quis aceitar.
Quando cansei de querer aceitar
simplesmente quis
(mas querer também cansa).
Daí me cansei de querer
E me cansei de
E me...
can... sei...
Sei.
Sei?
ei!
(...)
...
..
.
(se desenhar é correr o risco é melhor saber apontar)

25.12.10

Dois

Por tuas canções me calo – ser que assiste

Pequeno grão de areia em meu deserto

Como pode o amor ser belo e ao passo, triste

Por fora tão distante e em mim tão perto?


A cada passo ardor, palavra, grito

Onde eis que escondo em mim ternura e medo

E provo em doce e amargo o que há escrito:

Mesmo em mistério não guardo segredo.


Escondo dessa vida a minha vida

E nesse amor a mente desconhece

Meu corpo, bem profano e sacrossanto


Templo em que jamais um deus duvida

Que tua sagrada e pura alma em prece

A mim se junta e faz da cor teu manto.

11.12.09

Encomenda

Pediste algo aqui, em palavras escritas.
E embora mulher, não soube parir a tempo.
Muito senti.

(Dizem que na falta do que dizer
a saída é olhar para cima
e falar sobre o tempo)

Belo e estranho, o nosso mundo.
Embora o tempo cure tudo,
olhá-lo é um perigo.

-O que faz aí, menina, parada, olhando pro tempo?

Não sei.
Talvez tecendo miniaturas de ar,
quase-pinturas, não-poemas,
Reticências que respondam a ti enquanto as horas dançam.

26.5.09

Ciclo

Alguma coisa deste poema que mal começou
é uma vontade superlativa da tua presença.
Tua verdade impressa em meus olhos negros
como amiga de passado, presente e futuro.
Silêncio sereno, agora.
Ilusão, talvez.
Ninguém sabe.
O mundo não se preocupa em dar respostas.
E quem precisa delas?
(...)
Vivendo ouço as vozes do teu calar
(canção de demônios-sépia aos anjos azuis)
Partitura
ao contemplar de tua pintura.

11.11.08

Perfeição

Flores à ilusão estrangeira
do mestre em minhas mãos
Flores à morte das paredes,
que a pintura me atravessa
e me morde como um cão sem dono.
Flores à vida do homem que pinta
(e dos olhos de quem vê)

Entre um silêncio e outro, desconfio
(mas confio)
que a imperfeição é perfeita.

24.6.08

Lágrimas da Cor

Hoje abri as janelas, rasguei os croquis
Não conheço alma nem sonho em branco e preto.
Abrir a porta foi um gesto banhado em lágrimas
As cores choram por minha vida,
um choro gritante, dolorido,
um medo vivo da morte.
Perpasso o vão que existe na dor
antes que alguém enfie os dedos nela
sem pagar o preço da entrada.
Eu pago, atravesso, cicatrizo
e contemplo a estética.
As paletas me valem muito,
pois pintura é o gesto que aconteceu
do útero ao coração,
antes de chegar ao cérebro
e escravizar-se.
Pintei três olhos, apenas
e faço visita aos mistérios femininos:
Mulheres têm três orifícios,
com quatro eu faria dois homens
e perguntaria ao plexo, perplexo
onde mora a luz do sol.
Ícone dos meus olhos,
tu me contemplas na minha timidez
e me concedes o direito
de chorar e ser pintura
ao mesmo tempo.

28.5.08

Lunar

Pérola preciosa, boa noite.
Hoje meus olhos doem. Pernas, pulso, seios de abacate imaturo,
tangerina ácida entre os dentes.
Abaixe o volume da música! Hoje estou assim.
Humanamente assim. Anote isso.
Silêncio profundo e sangue... Preguiça.
O mês corre.
O ventre escorre.
Mas olhe para o céu:
A Lua e eu somos cúmplices do mesmo ritmo compassado - e sem futuro.
A verdade não tem futuro.
A verdade é que agora, exatamente agora, preparo os lençóis vermelhos
E, mulher sem culpa,
Vou dormir num quarto minguante.

21.11.07

Provocação

Uma mosca na minha sopa de letrinhas.
Indiscreta, não consegue mais se esconder
Sob os guardanapos proverbiais.
Escandaliza e perturba o sono das letargias, sem métrica ou rima.
Formiga no botão, diria minha avó.
Fogo no rabo.
E eu sorrio a olhar pra ela
Um sorriso no canto da boca, indecente,
Incandescente,
Namorico entre o vá embora e o sinta-se em casa.

23.10.07

Mutante

Elegia ao conceito quadrado:
Teclo um soneto em bolha
Dedos soltos como a folha
Solta no vento assoprado.

Relacionar-se, um ardil... Cuidado!
A metáfora da ilusão
Hiperboleia o quadril... Pecado!
Vira um nó o coração.

Amor, flexível-mutante.
Mas o que é tão imutável
Pois que tudo é vulnerável
-da formiga ao elefante?

Há um desenho no rio
Já não há mais, pois se rompe
Na sístole de um vazio.

E o que lê esta estrofe que rima
Já não é o leitor da primeira
Do poema que nunca termina

Dois quartetos, dois tercetos?
Meu soneto é como eu queira
Dou-te palavras, não guetos
Fechados, com eira e beira

Viva o ser flexível,
Dobrável, que se transmuta
Vendo a incompreensível
Cor daquilo que escuta

Pois se o amar é assim
Conhecer o desconhecido
Que habita dentro de mim

Eis que meus olhos abertos
São os mesmos raios incertos
De estrelas num céu de nanquim.