21.11.07

Provocação

Uma mosca na minha sopa de letrinhas.
Indiscreta, não consegue mais se esconder
Sob os guardanapos proverbiais.
Escandaliza e perturba o sono das letargias, sem métrica ou rima.
Formiga no botão, diria minha avó.
Fogo no rabo.
E eu sorrio a olhar pra ela
Um sorriso no canto da boca, indecente,
Incandescente,
Namorico entre o vá embora e o sinta-se em casa.

23.10.07

Mutante

Elegia ao conceito quadrado:
Teclo um soneto em bolha
Dedos soltos como a folha
Solta no vento assoprado.

Relacionar-se, um ardil... Cuidado!
A metáfora da ilusão
Hiperboleia o quadril... Pecado!
Vira um nó o coração.

Amor, flexível-mutante.
Mas o que é tão imutável
Pois que tudo é vulnerável
-da formiga ao elefante?

Há um desenho no rio
Já não há mais, pois se rompe
Na sístole de um vazio.

E o que lê esta estrofe que rima
Já não é o leitor da primeira
Do poema que nunca termina

Dois quartetos, dois tercetos?
Meu soneto é como eu queira
Dou-te palavras, não guetos
Fechados, com eira e beira

Viva o ser flexível,
Dobrável, que se transmuta
Vendo a incompreensível
Cor daquilo que escuta

Pois se o amar é assim
Conhecer o desconhecido
Que habita dentro de mim

Eis que meus olhos abertos
São os mesmos raios incertos
De estrelas num céu de nanquim.

17.7.07

Encontro

Meu corpo.
E de repente,
estamos ficando amigos, crescendo juntos.
Diálogo entre cima e baixo
Sexo, cabeça e coração.
Diabo, mulher e Deus em mim,
sejam um só...
Sintam-se em casa,
cresçam e apareçam.
No brilho dos olhos, seios
Sangue e saliva
nos laços frouxos da garganta.
Borboleta azul que surpreende, transcende o véu.
Meu corpo, veículo fecundo
por vezes ultrajado imundo
Onde o céu visita a terra
e a terra visita o céu.

26.6.07

Raízes e asas

A menina frágil sorri
Um sorriso que atravessa
a moldura do porta-retrato, de orelha a orelha
E alcança o sol, o céu, as estrelas
num clichê sem culpas.
Mal sente os pés
Menina dos pés apertados nas meias brancas
Sandálias negras de saltos finos
Sandalinhas de furar o chão
como ponta de facão no sangue da terra
(lembrança de avós vividos na roça quente dos buritis)
A menina do retrato sorri para a mulher
que olha foto e chora, agora.
Chora a inocência perdida das crianças
que vão embora de dentro da gente
quando a mente
mente
E o coração fica batendo sem porquê.

Sobre a Timidez


Ironia do destino. Nada por acaso. Filosofia à beça. Mas, cá entre nós, tem coisas que só acontecem com gente tímida.
Rola aquela coisa de não saber o que dizer em certas horas. O fato é que fico muito mais tímida com pessoas apaixonantes que com o resto da humanidade. E daí, aquelas coisas que só acontecem com gente tímida, aparecem, sorrateiras, entre um silêncio e uma despedida assim, do nada, sem nem um beijo, pra não dar na cara que estou afim. Porque dar as costas é não mostrar, nos olhos, que em certas horas eu me sinto mais nua que a modelo na aula de desenho. Como se não bastassem os risos no espelho ao retocar o blush. Ah, se ele os visse... Eu perderia assim toda a minha inútil credibilidade, toda a minha credencial de tímida de plantão. Vagaria pelas horas impróprias da felicidade ridícula das pessoas que se permitem rir bem alto de si mesmas. Daí eu rio de mim mesma, bem baixinho, a pensar depois em como deve ter sido horas antes, minha expressão de seriedade e graça, esquecida de que neste estado, o que eu menos precisava era de um blush.
Sim, tímidos são pessoas sérias e engraçadas ao mesmo tempo. Só eles conseguem tal proeza, e porque não dizer, uma sensualidade estabanada. Desligados por natureza (ou talvez ligados demais) perdem a hora do cinema imaginando o que vão falar na próxima frase. Mas quem se importa com isso? Talvez outro tímido chamado Mário Quintana. Este mesmo que ataca se aproveitando da situação e evoca poesia ao silêncio dos tímidos, entre os guardanapos: “teus silêncios são pausas musicais”.
Se isso for verdade, meu silêncio certamente não estava tocando o hino do Flamengo na mesa do jantar.

Um Bésame Mucho, talvez.

Mas não conta pra ninguém.

25.4.07

Setembro

Quero pintar o canto das cigarras
Numa tela branca, relembrando a paz.
Ver com os ouvidos o que não tem garras
A palavra dita que no eterno jaz

E morreria, relegando às falas
O ouvir com os olhos que o silêncio faz
Asas de fogo, meu cinzel de brasas
Esculpindo o sonho em corações sem mais

Corpo pulsante, e entrega os tempos idos
Confiança cega no braile da rua
Amando a sombra dos teus pés perdidos
Transformar-me em asas e cantar pra Lua

Ser grata à vida e a vida à luz que inspira
Deixar que flua amor e liberdade
Primavera e canto como troco à ira
Ser flora e orquestra na tua cidade.

Regi

Poeminha sentimental

O meu amor, o meu amor, Maria
É como um fio telegráfico da estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas...
De vez em quando chega uma
E canta (Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
Canta e vai-se embora
Outra, nem isso,
Mal chega, vai-se embora.
A última que passou
Limitou-se a fazer cocô
No meu pobre fio de vida!
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.

(Mário Quintana)